Marcos Maciel

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Saúde, Atividade Física

Espiritualidade e qualidade de vida: reflexões a partir do WHOQOL-SRPB

A crescente valorização da subjetividade e dos sentidos atribuídos à vida tem ampliado a atenção da saúde pública para dimensões até então negligenciadas. Entre elas, destacam-se a espiritualidade e a religiosidade, elementos frequentemente confundidos, mas que possuem distinções fundamentais.

A espiritualidade refere-se à busca pessoal por sentido, conexão e transcendência, podendo ou não estar vinculada a uma tradição religiosa específica. Já a religiosidade implica um sistema estruturado de crenças, práticas e pertencimento institucionalizado.

Ambas, no entanto, desempenham papel relevante na forma como os indivíduos enfrentam situações de sofrimento, constroem resiliência e avaliam sua qualidade de vida.

Nas últimas décadas, diversos estudos têm apontado que experiências espirituais e crenças pessoais podem atuar como fatores de proteção diante de adversidades, contribuindo para o bem-estar e o enfrentamento de condições de saúde crônicas.

No entanto, os instrumentos tradicionais de avaliação da qualidade de vida pouco consideravam essas dimensões, limitando-se a aspectos físicos, psicológicos, sociais e ambientais.

Reconhecendo essa lacuna, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incorporou ao seu referencial o entendimento de que qualidade de vida deve abranger também os elementos simbólicos, existenciais e espirituais que sustentam o viver com sentido.

Com esse propósito, foi criado o módulo WHOQOL-SRPB (Spirituality, Religion and Personal Beliefs), voltado a integrar a espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais na avaliação da qualidade de vida.

A decisão de incluir essas facetas partiu de uma constatação: em muitos contextos culturais, tais dimensões são centrais para a forma como os indivíduos atribuem valor à vida, enfrentam o sofrimento e projetam esperança.

O processo de construção do módulo envolveu uma articulação rigorosa entre teoria e prática. Foram formados grupos de pesquisadores em diferentes países, com diversidade religiosa e cultural, que conduziram revisões teóricas, entrevistas qualitativas e análises transculturais.

O objetivo era garantir que o instrumento refletisse, com validade e sensibilidade, os significados atribuídos à espiritualidade e à fé em múltiplos contextos.

Assim, o WHOQOL-SRPB não representa apenas uma ampliação metodológica, mas um gesto de reconhecimento da pluralidade humana e de seu impacto profundo sobre a experiência do bem viver.

Espiritualidade e religiosidade

A proposta de incluir a espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais na avaliação da qualidade de vida responde a um movimento crescente na literatura científica internacional.

Desde a década de 1990, pesquisadores de diferentes áreas começaram a explorar como esses elementos influenciam a percepção de bem-estar, especialmente em contextos de adoecimento, luto, envelhecimento e crises existenciais.

Contudo, a maioria dos estudos apresentava limitações metodológicas significativas, como amostras pequenas, ausência de validação transcultural e escassez de instrumentos padronizados.

Além disso, havia uma clara indefinição conceitual. Muitos trabalhos utilizavam os termos espiritualidade e religiosidade de forma intercambiável, sem delimitações teóricas.

Outros restringiam a abordagem da espiritualidade à adesão institucional a religiões organizadas, excluindo experiências individuais, não religiosas, mas igualmente significativas.

Essa falta de clareza dificultava comparações entre estudos, comprometia a aplicabilidade dos achados e invisibilizava uma parcela significativa das vivências humanas que escapam às categorias religiosas tradicionais.

Foi nesse cenário que se fortaleceu a demanda por um instrumento específico, validado internacionalmente, que fosse capaz de captar de maneira sistemática e comparável as influências da espiritualidade e das crenças pessoais na qualidade de vida.

A OMS, por meio do grupo WHOQOL, assumiu esse desafio ao desenvolver o módulo WHOQOL-SRPB, integrando as demandas da literatura com uma abordagem metodológica robusta.

A revisão teórica que embasou o desenvolvimento do instrumento foi ampla e sistemática, reunindo estudos oriundos da medicina, psicologia, ciências sociais e teologia.

A partir dela, foram identificadas dimensões comuns que se repetiam nos relatos de pacientes e participantes de pesquisas em diferentes partes do mundo: fé como fonte de sentido, esperança, força interior, conexão com algo maior, e confiança em práticas ou crenças como forma de enfrentamento.

A revisão também destacou a carência de ferramentas que respeitassem o pluralismo religioso e a possibilidade de experiências espirituais não vinculadas a crenças teístas.

A partir dessa base, o grupo internacional passou a desenvolver itens que contemplassem tanto a diversidade cultural quanto os elementos universais da experiência espiritual, buscando equilíbrio entre sensibilidade e generalização.

O WHOQOL-SRPB surge, assim, como resposta a uma necessidade científica, ética e prática: considerar integralmente o ser humano na complexidade de seu viver e crer.

Facetas avaliadas pelo WHOQOL-SRPB

O módulo WHOQOL-SRPB foi desenvolvido pela OMS para ampliar a compreensão da qualidade de vida incluindo dimensões ligadas à espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais.

O instrumento contém 32 itens organizados em 8 facetas, cada uma representando um aspecto essencial da vivência espiritual, com ampla validade transcultural.

Faceta 1 – Conexão com um ser ou força espiritual avalia até que ponto a ligação com uma entidade espiritual ajuda a lidar com o sofrimento, compreender os outros e se sentir confortado. Por exemplo, alguém que diz “minha fé me acalma quando tudo desmorona” expressa esse tipo de conexão, que pode gerar suporte emocional em momentos críticos.

Faceta 2 – Sentido na vida examina se a pessoa encontra propósito ou missão na própria existência. Ter um “porquê” forte — como educar os filhos ou servir à comunidade — pode ser decisivo na forma como alguém atravessa dificuldades e toma decisões.

Faceta 3 – Admiração mede o grau de abertura à beleza, à natureza, à arte e aos momentos de inspiração. Estar sensibilizado com a música, a luz do pôr do sol ou a grandeza de um gesto altruísta pode renovar a esperança e o encantamento pela vida.

Faceta 4 – Totalidade e integração avalia a sensação de coerência entre mente, corpo e espírito. Quando alguém sente que vive de forma alinhada com seus valores e sentimentos, experimenta maior equilíbrio e paz interna.

Faceta 5 – Força espiritual refere-se à energia interior percebida como suporte nas dificuldades. É a resiliência que muitas pessoas reconhecem como “vinda de dentro” ou como “força que não sei de onde tirei”.

Faceta 6 – Paz interior examina o sentimento de tranquilidade e harmonia consigo mesmo. Pessoas que mantêm serenidade mesmo em meio ao caos demonstram um recurso psicológico associado a essa faceta.

Faceta 7 – Esperança e otimismo avaliam o quanto a pessoa acredita que o futuro pode ser positivo, mesmo em contextos adversos. Essa perspectiva influencia diretamente a motivação, o humor e as decisões sobre cuidados e mudanças de vida.

Faceta 8 – Fé mede o impacto prático da fé no cotidiano: se ela traz conforto, força e prazer de viver. Não se trata apenas de acreditar, mas de viver a fé como algo concreto e fortalecedor.

Como os resultados são avaliados

Cada item do WHOQOL-SRPB é respondido em uma escala Likert de 5 pontos, que vai de “nada” a “extremamente”.

Os escores de cada faceta são calculados pela média dos quatro itens que a compõem. Os resultados podem ser apresentados numa escala de 4 a 20, ou transformados para uma escala de 0 a 100, o que facilita a comparação com outros instrumentos da OMS.

Escores mais altos indicam que aquela faceta espiritual/religiosa tem influência positiva na qualidade de vida percebida.

Escores mais baixos podem indicar ausência de vivência espiritual, sofrimento existencial ou falta de apoio simbólico diante de crises.

Esses resultados não servem para diagnóstico ou classificação, mas para compreender melhor a experiência individual.

Em contextos clínicos ou de pesquisa, podem orientar práticas mais humanas, políticas públicas mais sensíveis e diálogos mais respeitosos sobre o que dá sentido ao viver.

Promovendo a espiritualidade, religiosidade

A inclusão da espiritualidade, religiosidade e crenças pessoais na avaliação da qualidade de vida representa um avanço significativo na forma como compreendemos o bem viver.

O módulo WHOQOL-SRPB, ao captar essas dimensões com profundidade e rigor metodológico, dá visibilidade a aspectos da existência que muitas vezes escapam às práticas tradicionais de cuidado.

Ao longo das últimas décadas, cresceu o reconhecimento de que experiências espirituais, convicções pessoais e práticas religiosas exercem papel decisivo no enfrentamento de doenças, na recuperação emocional e na busca de sentido diante de perdas, dores e limitações.

Para muitas pessoas, essas vivências são fontes de esperança, força interior e reorganização subjetiva.

Negar ou negligenciar esses elementos pode significar ignorar aquilo que, para o sujeito, é mais precioso.

Nesse contexto, o WHOQOL-SRPB oferece uma ferramenta de escuta e acolhimento. Ao invés de impor padrões, ele propõe compreender como cada pessoa vive sua espiritualidade — seja ela religiosa, filosófica, naturalista ou existencial.

Isso é particularmente importante em sociedades cada vez mais plurais, onde diferentes visões de mundo convivem e desafiam os modelos únicos de cuidado.

Para além do ambiente clínico, os dados gerados pelo instrumento também podem alimentar políticas públicas mais sensíveis às diversidades culturais e espirituais.

Em unidades de saúde, instituições de longa permanência, contextos de reabilitação e cuidados paliativos, esses indicadores ajudam a personalizar as estratégias de acolhimento, promovendo o respeito à singularidade.

No Brasil, onde a religiosidade está presente na vida da maioria da população, a integração desse módulo aos instrumentos de avaliação pode aproximar práticas profissionais do que realmente importa para o cidadão comum.

Isso exige sensibilidade, formação ética e abertura para o diálogo com realidades múltiplas.

Em tempos marcados por crises de sentido, sofrimento psíquico e desigualdades sociais, considerar o que sustenta a esperança das pessoas é também uma forma de justiça.

O WHOQOL-SRPB não responde a todas as questões, mas propõe uma pergunta essencial: o que fortalece sua vida, mesmo quando está passando por momentos difíceis?

Esse questionamento, mais do que um dado, é um convite à escuta e ao cuidado com aquilo que não se vê nos exames, mas pulsa silenciosamente dentro de cada ser.


Fontes:

Fleck, M. P. A., Netto, B. M., Chor, D., Ferreira, L. M., Almeida, L. M., Loch, W., … & Gonçalves, V. P. (2003). Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-100). Revista Brasileira de Psiquiatria, 25(4), 198–204. https://doi.org/10.1590/S1516-44462003000400006

Fleck, M. P. A., Skevington, S. M., Pagnin, D., Souza, L., De S. C., Stolf, A. D., Mendlowicz, M. V., & Buss, P. (2003). The World Health Organization instrument to evaluate quality of life (WHOQOL-100): Characteristics and perspectives of the WHOQOL-SRPB module. Revista de Psiquiatria Clínica, 30(1), 54–66. https://doi.org/10.1590/S0101-60832003000100009

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Marcos Maciel (Ph.D)
Sou Ph.D. em Estudos do Lazer, e investigo as relações entre atividade física, saúde, bem-estar, espiritualidade, ócio e lazer.