A espiritualidade é reconhecida como dimensão essencial do ser humano e da saúde integral. Nos últimos anos, esse reconhecimento gerou uma demanda por instrumentos, como o bem-estar espiritual para avaliá-la.
O questionário SHALOM surge como resposta a esse desafio, propondo avaliar o bem-estar espiritual de forma relacional. Desenvolvido por John Fisher, o Spiritual Health And Life-Orientation Measure (SHALOM) foi pensado para superar os limites de escalas anteriores, como o Spiritual Well-Being Questionnaire (SWBQ).
Ao contrário deste, que foca apenas na experiência atual, o SHALOM também investiga o ideal espiritual. Essa transição reflete um avanço teórico importante: compreender não só o que se vive, mas também o que se deseja viver espiritualmente.
Essa comparação entre ideal e atual abre espaço para reflexões mais profundas sobre coerência, propósito e desenvolvimento interior.
Fisher propõe que o bem-estar espiritual se manifesta em quatro domínios relacionais.
São eles: a relação consigo mesmo, com os outros, com a natureza e com o transcendente.
Essas dimensões, combinadas, formam a base do instrumento que ganhou aplicação internacional. No Brasil, o SHALOM foi validado por Nunes et al. (2018) com rigor metodológico e sensibilidade cultural.
A versão brasileira incluiu ajustes linguísticos e conceituais que garantem melhor compreensão e aderência às experiências espirituais do público falante de português.
Este artigo tem como objetivo apresentar o SHALOM de forma acessível, destacando sua relevância prática. Comentaremos seu processo de validação, forma de aplicação e estrutura conceitual. Também exploraremos cada domínio com exemplos concretos a partir do questionário validado.
Ao longo das próximas seções, veremos como o SHALOM contribui para uma saúde mais integral. Trata-se de um instrumento que, mais do que medir, convida à reflexão e à transformação.
Porque cuidar do espírito é parte essencial de viver com verdade, equilíbrio e plenitude.
Questionário SHALOM
O SHALOM foi desenvolvido para avaliar o bem-estar espiritual de forma ampla e profunda. Seu criador, John Fisher, partiu da ideia de que a espiritualidade é relacional e multifacetada.
Por isso, o instrumento precisava refletir essa complexidade com clareza e equilíbrio. Para garantir a qualidade do SHALOM, Fisher realizou diversos estudos de validação.
Ele avaliou se os itens eram bem compreendidos e se estavam alinhados aos quatro domínios. Esses domínios são: pessoal, comunitário, ambiental e transcendental.
Cada item do instrumento foi pensado para refletir aspectos positivos da espiritualidade. As respostas são organizadas em duas colunas: o ideal e a experiência atual da pessoa.
Essa estrutura permite observar o quanto a vida espiritual está alinhada ao que a pessoa valoriza. Fisher verificou se os itens formavam um conjunto coerente, ou seja, se “conversavam entre si”.
Para isso, analisou os padrões de resposta em diferentes estudos e contextos. Ele buscava consistência, clareza e relevância em cada dimensão espiritual avaliada. Outro passo importante foi testar se o instrumento podia ser usado em diferentes populações.
A proposta do SHALOM é ser universal, respeitando diferentes crenças, religiões e estilos de vida. Fisher ajustou a linguagem para que o questionário fosse compreendido por pessoas variadas.
Além da clareza, o SHALOM também demonstrou estabilidade nas respostas ao longo do tempo. Isso significa que, quando usado corretamente, o instrumento mede o que se propõe a medir.
E o faz de maneira confiável, mesmo em situações diferentes. Com isso, o SHALOM consolidou-se como um dos instrumentos mais completos do campo. Ele vai além de simples declarações de fé e investiga a qualidade das relações espirituais.
É uma ferramenta que combina ciência com a sensibilidade da experiência humana. A proposta de Fisher é clara: espiritualidade é algo que se vive nas relações do cotidiano.
E o SHALOM é um meio eficaz de observar e compreender essas vivências. Validar esse instrumento foi, portanto, um passo decisivo para integrá-lo à pesquisa e ao cuidado.
Como se usa e se avalia o SHALOM – bem-estar espiritual?
O SHALOM é um questionário que ajuda a entender como está a saúde espiritual da pessoa. Ele é composto por 20 itens, divididos igualmente entre quatro domínios principais.
Cada item aparece duas vezes, com duas perguntas diferentes sobre o mesmo conteúdo. A primeira pergunta pede que a pessoa indique o quanto aquele item é importante para ela.
Essa parte mostra qual é o seu ideal de bem-estar espiritual, o que ela valoriza. A segunda pergunta pede que a pessoa diga o quanto aquele item faz parte da sua vida atual.
Com isso, o SHALOM permite comparar dois pontos da vida espiritual: o ideal e o vivido. Essa comparação revela o grau de harmonia ou de distância entre o que a pessoa deseja e o que ela sente que de fato está presente no seu dia a dia.
O questionário usa uma escala de 1 a 5, indo de “muito pouco” até “muitíssimo”. A pessoa responde em duas colunas, uma para o ideal e outra para a experiência atual.
Essa simplicidade ajuda na compreensão e torna o instrumento fácil de aplicar. A avaliação do SHALOM pode ser feita de duas formas principais: por domínio e no total.
A média das respostas em cada dimensão mostra como está aquele aspecto da espiritualidade. Também é possível calcular uma média geral, indicando o bem-estar espiritual como um todo.
Uma das partes mais interessantes do SHALOM é a análise da dissonância espiritual. Ela é feita ao comparar o ideal com a experiência atual em cada domínio.
Quanto maior a diferença, maior o sinal de desconexão entre valores e vivência espiritual. Fisher sugere que diferenças menores que 1 ponto indicam harmonia espiritual.
Diferenças iguais ou maiores que 1 ponto mostram algum nível de dissonância.
Essa diferença pode ser um ponto de partida para reflexão ou para intervenção profissional.
O SHALOM pode ser usado por pesquisadores, educadores e profissionais de saúde. Ele não exige muito tempo para ser aplicado e traz informações valiosas sobre a pessoa.
Mais do que um número, ele revela como andam as conexões mais profundas da vida.
Os domínios do SHALOM: quatro caminhos para o bem-estar espiritual
O SHALOM entende a espiritualidade como uma rede de relações. Essas relações se expressam em quatro domínios: pessoal, comunitário, ambiental e transcendental.
Cada um reflete uma dimensão fundamental da experiência humana. O domínio pessoal trata da relação da pessoa consigo mesma.
Inclui sentimentos como identidade, autoconhecimento, paz interior e sentido para a vida. Por exemplo, itens como “paz interior” e “alegria na vida” são usados para avaliar essa dimensão.
Esse domínio se manifesta quando há equilíbrio entre emoções, valores e ações. A pessoa que se conhece, se valoriza e vive de forma coerente tende a experimentar bem-estar.
Trabalhar essa área pode fortalecer a autoestima, a esperança e a motivação diária. O domínio comunitário se refere à forma como nos relacionamos com os outros. Inclui valores como amor, generosidade, respeito, perdão e confiança nas relações humanas.
O SHALOM traz itens como “amor pelas outras pessoas” e “respeito pelas outras pessoas”. Essa dimensão aparece na qualidade dos vínculos familiares, de amizade ou sociais.
Ela se reflete na capacidade de conviver com empatia, compaixão e justiça. É essencial para construir comunidades saudáveis e promover paz nas relações.
O domínio ambiental diz respeito à nossa conexão com a natureza. Inclui experiências de admiração, deslumbramento e harmonia com o ambiente natural.
Itens como “uma ligação com a natureza” e “admiração por uma paisagem bela” avaliam esse aspecto. Esse domínio convida à sensibilidade ecológica e à contemplação da beleza natural.
É a espiritualidade vivida no contato com o mundo físico — árvores, mar, céu e animais. Conectar-se com a natureza pode aliviar o estresse e fortalecer o senso de pertencimento.
O domínio transcendental envolve a relação com algo ou alguém superior. Pode ser Deus, o Criador, o Universo ou qualquer nome que represente o sagrado.
Itens como “uma relação pessoal com Deus” e “sentimento de paz com Deus” estão nessa dimensão. Essa dimensão se expressa em práticas como oração, meditação, reverência e fé.
Não depende de religião formal, mas da vivência de sentido maior e entrega. É um espaço íntimo onde muitos encontram consolo, propósito e direção para a vida.
Esses quatro domínios não funcionam isoladamente: estão conectados e se influenciam.
Fortalecer um pode beneficiar os outros, e o desequilíbrio em um pode afetar o todo. O SHALOM ajuda a perceber essas conexões e a promover uma espiritualidade mais integrada.
Espiritualidade que se mede, se cuida
Falar em espiritualidade muitas vezes parece tocar apenas o invisível. Mas o SHALOM mostra que é possível tornar esse cuidado mais tangível, sem perder a profundidade.
Ele oferece um caminho concreto para refletir sobre como estamos espiritualmente. Mais do que um questionário, o SHALOM é um espelho.
Ele nos ajuda a enxergar como vivemos nossas relações essenciais: conosco, com os outros, com o mundo e com aquilo que nos transcende — seja Deus, o Universo ou o Mistério.
Ao permitir comparar o ideal com a experiência real, o instrumento revela lacunas e potências. Essa diferença — a dissonância espiritual — pode indicar sofrimentos ocultos ou buscas não realizadas.
Também pode inspirar mudanças, reconexões e decisões que promovem sentido e paz interior. A estrutura do SHALOM é simples, mas seu impacto é profundo.
Ele pode ser aplicado em contextos de saúde, educação, pesquisa e aconselhamento. E o melhor: respeita as diferenças religiosas, culturais e pessoais de cada indivíduo.
No campo da saúde, seu uso permite olhar para além do corpo e da mente. Oferece recursos para cuidar da dimensão espiritual com seriedade e sensibilidade. Isso amplia a compreensão do que é estar bem, viver bem e se relacionar bem.
Na educação, o SHALOM pode fomentar debates sobre valores, propósito e convivência. Na psicologia, abre espaço para o autoconhecimento e o acolhimento de questões existenciais.
Na vida cotidiana, ajuda a cultivar harmonia, coerência e compaixão. Ao trazer espiritualidade para o centro do bem-estar, o SHALOM nos convida a uma nova ética.
Uma ética do cuidado integral, do respeito às conexões humanas e do compromisso com o viver.
Fontes:
Fisher, J. W. (2010). Development and application of a spiritual well-being questionnaire called SHALOM. Religions, 1(1), 105–121. https://doi.org/10.3390/rel1010105
Fisher, J. W. (2021). Validation and utilisation of the Spiritual Well-Being Questionnaire: SHALOM. Journal of Religion and Health, 60, 3694–3715. https://doi.org/10.1007/s10943-021-01401-8
Nunes, C. H. S. S., Moreira-Almeida, A., & Gouveia, M. J. (2018). Validação da versão portuguesa do Spiritual Health and Life-Orientation Measure (SHALOM). Psicologia: Reflexão e Crítica, 31(2). https://doi.org/10.1186/s41155-018-0083-2
Mangia, P. (2015). Estudo transcultural de validade do SHALOM: um instrumento de bem-estar espiritual [Dissertação de Mestrado, ISPA – Instituto Universitário]. Repositório ISPA. https://repositorio.ispa.pt/handle/10400.12/4043